O PL 4.173 e os trusts
Alberto Murray Neto e Edmo Colnaghi Neves
O fim do teto de gastos (o governo não pode gastar mais do que arrecada) e a instalação no novo arcabouço fiscal (estipula regras em que o governo pode gastar mais do que arrecada) corre sério risco de não dar certo, se o governo não tiver receitas suficientes para pagar as despesas que terá que enfrentar. Para isso, o governo tem agido para aumentar a sua arrecadação, propondo ao Congresso Nacional medidas que tenham essa finalidade.
Não obstante a reforma tributária em curso, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 4.173/23. Entre outras coisas, esse projeto de lei tributa todos aqueles que tiverem instituído trusts no exterior, sendo estas pessoas físicas (settlers) obrigadas a declará-los no Brasil, como qualquer outro patrimônio.
A legislação brasileira não contempla o trust. Em vários países que adotam o common law, o trust é largamente utilizado há séculos e consolidou-se como um instituto seguro de planejamento familiar e sucessório em prol de beneficiários. Em linhas gerais, o instituidor, transfere seu patrimônio para um trust. É nomeado o trustee, que ficará obrigado a administrar o patrimônio conferido, de acordo com as regras estipuladas no trust. Portanto, quando o instituidor (settler) cria o trust, seu patrimônio é transferido para essa figura jurídica. O instituidor deixa, portanto, de ser dono desse patrimônio.
O trust pode ser irrevogável, hipótese na qual o instituidor nunca mais poderá ser dono do patrimônio transferido. Assim, quando a lei brasileira obriga o instituidor a declarar (e tributar) o patrimônio transferido para o trust como se fosse seu, comete uma atrocidade jurídica. Não se pode obrigar a declarar patrimônio que não lhe pertence, muito menos tributá-lo. Obrigar a fazê-lo fere preceitos constitucionais brasileiros e princípios da legislação estrangeira.
O governo já havia tentado promover essa alteração por meio da Medida Provisória 1.171/23, que não foi convertida em lei. Por isso apresentou o projeto de lei acima mencionado. Se for aprovado esse projeto de lei da maneira como está, os instituidores de trusts no exterior poderão questionar a validade da norma jurídica em Juízo.
Alberto Murray Neto e Edmo Colnaghi Neves, advogado e consultor de Murray – Advogados, PLG International Lawyers, Haddock Offices, Alameda Santos, 2.326, 12º andar, São Paulo/SP, (11) 3132.9400, www.murray.adv.br