Direito ao esquecimento
Isabella Silva Machado
O direito ao esquecimento nada mais é que a prerrogativa dos indivíduos em ter determinado fato de sua vida, ainda que verídico, mantido em sigilo, ou seja, sem ser amplamente divulgado ao público em geral, tendo em vista eventuais transtornos e sofrimentos que podem ser experimentados. No Brasil, este direito respaldava-se no direito à vida privada, intimidade e honra, previstos no artigo 5º, inciso X, da nossa Carta Magna.
Entretanto, na quinta-feira dia 11 de fevereiro de 2021, o Supremo Tribunal Federal, por 9 votos a 1, decidiu que a ideia do “direito de esquecimento” é incompatível com a Constituição Federal, na medida em que configuraria forma de censura. A ministra Cármen Lúcia, sobre o tema, destacou o seguinte:
“Num país de triste desmemória como o nosso, discutir o direito ao esquecimento como direito fundamental, de alguém poder impor silêncio ou segredo de fato ou ato que pode ser de interesse público, seria um desaforo jurídico para a minha geração. A minha geração lutou pelo direito de lembrar”.
Deste modo, nestes casos, imprime-se uma prevalência do direito de liberdade de expressão sobre os direitos de personalidade, visto que, conforme afirmado pelo ministro Ricardo Lewandowski “a liberdade de expressão é um direito de capital importância, ligado ao exercício das franquias democráticas”.
Note-se, ainda, que qualquer controle prévio violaria o direito dos jovens de próximas gerações conhecerem a história do país e dos indivíduos que formam a sociedade. Por tais motivos, defenderam os ministros que os eventuais abusos ou excessos deverão ser analisados caso a caso pelos juízes em face dos parâmetros constitucionais, observando-se, em especial, os direitos de proteção à honra, imagem, privacidade e da personalidade em geral.
Importante observar, ainda, que a Turma decidiu que mesmo que os fatos divulgados tenham sido deturpados, modificados ou corrompidos de alguma forma, sua veiculação não deve ser proibida pela Justiça, que ficará responsável apenas por julgar eventuais casos de calúnia, injúria ou difamação sofrida pela parte alegadamente prejudicada.
A questão veio à tona em virtude de um recurso ajuizado pelos irmãos de Aída Curi, vítima de um crime violento nos anos 50, que buscavam reparação da TV Globo por ter reconstituído o caso no programa “Linha Direta”, em 2004, sem a devida autorização da família. Restou-se decidido que “a obrigação de indenizar ocorre apenas quando o uso da imagem ou de informações atingirem a honra da pessoa retratada e tiverem fins comerciais”, sendo que, no presente caso, foi firmado entendimento pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que a emissora apenas cumpriu com sua função social de informar, alertar e discutir o caso.
Portanto, os ministros do STF, em sede de julgamento de recurso acima mencionado, decidiram que o direito ao esquecimento não se compatibiliza com as normas constitucionais, devendo eventuais excessos serem analisados caso a caso, tendo em vista que o direito de liberdade de expressão supera, neste âmbito, os direitos à personalidade.
Isabella Silva Machado é advogada do escritório Murray – Advogados, de São Paulo.