Silêncio dos culpados
Luiz Carlos Ferraz
– Excelência, eu vou exercer o meu direito de permanecer em silêncio.
A frase, dita com descarado respeito, tem sido repetida durante diversas sessões da CPI da Covid, no Senado Federal, que funciona desde 27 de abril com o objetivo de investigar crime de responsabilidade na gestão da pandemia, o que é temperado com fortes indícios de corrupção no Ministério da Saúde, notadamente no processo de compra de vacinas. A arguição do silêncio não é aleatória. Pelo contrário, é sempre amparada por habeas corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal, o polêmico STF. Ocorre, contudo, que muitos depoentes, seja na condição testemunha, convidado ou investigado, abusam dos benefícios do “remédio constitucional”, e se negam, por exemplo, a dizer se conhecem este ou aquele servidor público, confiando que não lhe será dada voz de prisão por falso testemunho.
O silêncio manifestado de forma insistente poderia revelar, contudo, estar-se diante de um inocente. Afinal, o exercício da autodefesa não significaria que a resposta o incriminaria. Mas não é o caso. Há de se presumir, por si só, que se o depoente foi convidado ou convocado à CPI é por que deve ter informações relevantes a esclarecer aos senadores e, por extensão, ao país. Mas, por que não as revela? O que poderia incriminá-lo caso respondesse às questões? A lamentável realidade é que nunca se saberá, pois quem prefere permanecer calado, percorre talvez o limite entre mentir ou se autoincriminar. A melhor opção, pois, é recorrer ao silêncio – perturbador, incriminador, constrangedor, um não depoimento, mas que no fundo projeta relações suspeitas, contratos sinistros…
Afinal, houve quem, embora escudado num HC, tenha preferido responder, talvez para se safar de potencial punição, ainda que restou incriminar o pai, como fez o auditor Alexandre Marques, do Tribunal de Contas da União, o TCU. Ele confirmou que, de posse de informações sobre o registro dos casos de Covid, sabidamente protegidas por sigiloso funcional, as repassou ao pai, o coronel da reserva Ricardo Silva Marques. Este, por sua vez, as encaminhou ao amigo, o presidente da República Jair Bolsonaro, que no dia seguinte divulgou o material – mas não da forma como o recebera e sim em papel timbrado do TCU!
O tempo haverá de ser o senhor da razão. Pois, apesar de tais manobras, é grande a expectativa no poder devastador do relatório da CPI, que poderá servir para afagar, se não totalmente mas de forma singela, o sofrimento do povo brasileiro, especialmente dos familiares das cerca de 600 mil pessoas que morreram e os mais de 20 milhões de contaminados que venceram a Covid, e hoje carregam sequelas, ainda não exatamente dimensionadas.