Encharcados de sangue
“Dormia
A nossa pátria mãe tão distraída
Sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações…
… E um dia, afinal
Tinham direito a uma alegria fugaz
Uma ofegante epidemia
Que se chamava carnaval
O carnaval, o carnaval”
Vai Passar…. Chico Buarque/Francis Hime
Nelson Tucci
Para se extrair o ouro é preciso rasgar o solo e perfurar suas veias. Para quem nunca ouviu falar do biólogo britânico James Lovelock, vale bem a pena pesquisar a “hipótese de Gaia”, ou Teoria de Gaia, definindo o planeta Terra como um ser vivo. Continuando… o bicho homem não se satisfaz com o que tem e sua inquietação tanto leva ao progresso quando à destruição. Semelhante ao jovem adulto que sabe exatamente o que lhe faz mal, parte para desafiar o mundo sem se importar com o amanhã. Assim é na extração do ouro, desde os tempos coloniais, perpassando séculos, escavando buracos, perfurando veias e colocando ecossistemas em risco. E, parte do que se sabia e agora se confirma, continua-se a extrair ouro, de forma ilegal (se não é lícito, é roubo, portanto), e a encharcar de sangue o solo – sangue de yanomamis e sabe-se lá de quantas outras etnias; mas, sobretudo, sangue humano, deixando um gosto acre na boca de todos nós. São pelo menos 500 anos que nosso ouro é saqueado e por isso mesmo não se tem contabilidade do quanto já foi levado. O fato é que não é possível alguém se conformar com crianças, idosos e adultos morrendo à mingua, de fome mesmo, enquanto uns passos adiante extrai-se o néctar que faz brilhar o olho do homem, ainda que este não lhe sirva para purificar o sangue ou lhe sustentar o corpo e a alma. Se isto te incomodou, não me leve a mal… afinal, hoje é Carnaval.