Qual teria sido o itinerário de Francisco?
Surpreendendo a cada novo livro sobre os mistérios do Caminho de Santiago, na Espanha, em “Passos do Amor – A peregrinação de Francisco, de Assis a Santiago de Compostela” o jornalista Luiz Carlos Ferraz, editor do jornal Perspectiva, inova e, em vez de relatar mais uma de suas peregrinações pelos Caminhos de Santiago, ele revela a peregrinação de São Francisco, realizada há 800 anos, entre 1213 e 1215. Na escassez de documentos sobre a odisseia do poverello ao longo dos 2.500 quilômetros que separam (ou unem) as duas cidades santificadas, Ferraz recorre à tradição para compor a obra, refletindo sobre qual teria sido o itinerário de Francisco, adicionando recursos improváveis na Idade Média e, naturalmente, temperando com o conhecimento adquirido ao longo de suas cinco peregrinações a Santiago, que somam cerca de 2.000 quilômetros a pé!
Em 2009, Caminho Francês, 800 km em 29 etapas; 2010, Caminho Português, 240 km em 10 etapas; 2012, Caminho Aragonês, 180 km em sete etapas; 2013, Caminho Sanabrês, 420 km em 16 etapas; e junho passado, Caminho Primitivo, 320 km em 13 etapas.
O resultado dessas pesquisas está em “Passos do Amor”, que será lançado nas comemorações do Dia de São Francisco, em 4 de outubro, no Santuário Santo Antônio do Valongo, no Centro Histórico de Santos. O encontro será a partir das 10 horas – e se prolongará até às 17 horas, em meio a atividades programadas pelo Santuário em parceria com a Prefeitura –, quando o autor recepcionará seus amigos, os amigos de Francisco, de Santiago…, conversará sobre o Caminho e também estará expondo fotos de “Pedras do Caminho”, sobre suas peregrinações e que resultaram em quatro livros sobre o tema.
A peregrinação de Francisco a Santiago de Compostela é revelada no Capítulo 4 do Fioretti di San Francesco:
– No princípio e fundação da Ordem, quando os frades eram poucos e ainda não tinham tomado os lugares, São Francisco, por sua devoção, foi a Santiago da Galícia…
O Fioretti, ou Florilégio de São Francisco, são relatos conhecidos desde a Idade Média, traduzidos do latim para o italiano, possivelmente por um frei da Toscana. Eles derivam do livro Actus beati Francisci et sociorum eius, ou “Feitos de São Francisco e de seus companheiros”, escrito entre os anos 1331 e 1337 por Frei Hugolino de Montegiorgio, também chamado Frei Hugolino de Santa Maria.
Ao se aceitar esta tradição, Francisco (5 de julho de 1182 – 3 de outubro de 1226), com cerca de 32 anos, peregrinou de Assis a Santiago de Compostela, não só para celebrar as relíquias do Apóstolo de Jesus, Santiago, mas também para anunciar o encontro com o Papa Inocêncio III, ocorrido em 23 de abril de 1209, quando o Sumo Pontífice o autorizou a prosseguir com sua fraternidade, apoiando Francisco em sua disposição de “reconstruir a Igreja” por meio de seu estilo de evangelizar.
Na busca por resgatar os passos de Francisco, o maior desafio do jornalista foi definir o itinerário de Assis a Santiago de Compostela – especialmente nos trechos de Itália e França, considerando que na Espanha é forte a tradição sobre a presença de Francisco –, o que foi feito com a ajuda da internet, ao indicar o litoral do Mar Mediterrâneo como a rota mais segura. Com base nesta sugestão e nas pesquisas realizadas com fontes franciscanas – com grande colaboração do frei Juan Natalio Saludes Martinez, da Ordem dos Frades Menores (OFM) de A Coruña, na Galícia, Ferraz criou um Caminho inédito. Inédito e, ao mesmo tempo, muito semelhante com o itinerário que conheceria algum tempo depois, quando, ao final da viagem, teve acesso à exposição “Peregrino e novo apóstolo – San Francisco no Camiño de Santiago”, no Colexio de Fonseca, em Santiago de Compostela, numa realização da Xunta da Galícia em parceria com o Gobierno da España, o Fondo Europeu de Desenvolvimento Rexional, a Província Franciscana de Santiago, o Fegamp e a USC.
Realizada no âmbito das comemorações do 8º centenário da peregrinação, a mostra incluiu o livro “Pellegrino e nuovo apostolo, San Francesco nel Cammino di Santiago” (Xunta da Galícia, 2014), onde consta um mapa sugerindo a rota de Francisco, sem precisar, contudo, a fonte dos estudos. Uma rota muito semelhante como a elaborada pelo jornalista. Entre os textos da publicação, Ferraz destaca artigo de Paolo Caucci von Saucken, do Centro Italiano di Studi Compostellani, que se refere ao plano da Confraternita di San Jacopo di Compostella, da Itália, de peregrinar de Assis a Santiago de Compostela – o que, conforme apurou posteriormente, foi feito, mas não por uma pessoa ao longo dos 2.500 quilômetros (como realizado por Francisco!), mas na forma de um revezamento, em grupos de várias pessoas.
Segundo Ferraz, a peregrinação total de Assis a Santiago de Compostela continuaria inédita, ou, pelo menos, ele diz não ter conhecimento de que alguém a teria realizado, como fez opoverello. Também no seu caso, em vez de realizá-la a pé, idealizou um percurso para ser atravessado em 14 etapas, utilizando trem, ônibus e carro.
Assim é que, na Primavera do ano passado, para celebrar o 8º centenário da famosa peregrinação (amplamente comemorada na Espanha e Itália), o jornalista viajou para a Itália com a esposa, a jornalista Sandra Netto, aproveitando a oportunidade para também festejarem os 30 anos de união do casal. Com essa disposição, juntos percorreram cidades, vilas, pueblos, na Itália, França e Espanha, conversando com moradores, religiosos, ouvindo a tradição viva sobre a peregrinação de Francisco.
A viagem foi feita ao ritmo de uma verdadeira peregrinação, ou seja, permanecendo um dia, uma noite, em cada cidade, ou pueblo, pesquisando, fotografando, conversando sobre Francisco, e retomando o Caminho na manhã seguinte – com exceção do grandioso Santuário de Lourdes, onde o casal ficou duas noites e comemorou o amor: afinal, Luiz e Sandra lá estavam em 12 de junho!
A primeira etapa neste novo Caminho de Francisco foi de Assis a Chiusi Della Verna, um trecho de 114 quilômetros – onde está localizado o Santuário do Monte Alverne, pertencente à OFM, e, segundo a tradição, Francisco recebeu os estigmas, as chagas de Jesus em seu corpo, em 17 de setembro de 1224. De Chiusi Della Verna o casal seguiu para Livorno, 205 quilômetros; depois, Livorno a Gênova, 177 quilômetros; Gênova a Mônaco, 182 quilômetros; Mônaco a Marselha, na França, 228 quilômetros; Marselha a Toulouse – o trecho mais longo da travessia –, 403 quilômetros; Toulouse a Lourdes, 173 quilômetros. Após duas noites em Lourdes, Jaca, na Espanha, 128 quilômetros; Jaca a Undués de Lerda (passando pelo Monastério de San Juan de la Peña), 118 quilômetros; Undués de Lerda a Puente la Reina (passando por Javier, Sangüesa, Rocaforte, Ermida de Eunate e Obanos), 67 quilômetros; Puente la Reina a Burgos (por Santo Domingo de la Calzada), 177 quilômetros; Burgos a León (por Castrojeriz), 177 quilômetros; León a O Cebreiro (passando por Villafranca del Bierzo), 157 quilômetros; O Cebreiro a Santiago (por Samos), 161 quilômetros. Ao final, com base nas quilometragens informadas pelo site de buscas Google, foram percorridos 2.467 quilômetros.