Organizações da Igreja Católica pedem a revogação da intervenção no Rio
Dez organizações da Igreja Católica em São Paulo divulgaram ontem nota de repúdio contra a intervenção federal decretada pelo presidente Michel Temer no Rio de Janeiro. Sem a adesão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o manifesto foi preparado após o lançamento da Campanha da Fraternidade 2018 e que tem como tema a violência, sob o lema “Fraternidade e a superação da violência”.
O manifesto das organizações de base da Igreja Católica cita a exortação apostólica Evangelii Gaudium, lançada pelo Papa Francisco em 2013, na qual é enfatizado que sem “eliminar a exclusão e a desigualdade” a violência não terá fim.
O documento também salienta que a Campanha da Fraternidade representa uma convocação para “cerrar fileiras com todos os que defendem a construção democrática da segurança pública, em total oposição à estarrecedora decisão do Governo Federal de intervenção militar na segurança pública do Rio de Janeiro”.
Assinam a nota as seguintes entidades: IPDM – Igreja Povo de Deus em Movimento; Nós Somos a Igreja – São Paulo; CLASP – Conselho de Leigos da Arquidiocese de São Paulo; Pastoral Fé e Política da Arquidiocese de São Paulo; Pastoral da Educação do Regional Sul1 da CNBB; Rede de Escolas de Cidadania de São Paulo; Rede Igrejas e Mineração; Centro de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo; Sociedade Santos Mártires; Fórum em defesa da vida Jardim Ângela.
Esta é a íntegra:
“Nota de repúdio à intervenção militar no Estado do Rio de Janeiro
Enquanto não se eliminar a exclusão e a desigualdade dentro da sociedade e entre os vários povos será impossível desarraigar a violência. Acusam-se da violência os pobres e as populações mais pobres, mas, sem igualdade de oportunidades, as várias formas de agressão e de guerra encontrarão um terreno fértil que, mais cedo ou mais tarde, há de provocar a explosão.
(Papa Francisco – Evangeli Gaudium nº 59)
Neste período quaresmal, as comunidades católicas do Brasil lançam a Campanha da Fraternidade 2018 com o grito profético pela “Fraternidade e superação da violência”. Somos, portanto, convocados a cerrar fileiras com todos os que defendem a construção democrática da segurança pública, em total oposição à estarrecedora decisão do Governo Federal de intervenção militar na segurança pública do Rio de Janeiro.
Diz o decreto: “O objetivo da intervenção é pôr termo a grave comprometimento da ordem pública no estado do Rio de Janeiro”. A decisão é somente para combater aquilo que a mídia chama de “guerra do tráfico” e “onda de violência”. Se compararmos os dados da violência no Brasil, conforme afirma a Professora Jaqueline Muniz, do Departamento de Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense (UFF): “desde 92 o Exército vem fazendo operações midiáticas nas comunidades e nunca divulgou qualquer relatório sobre os resultados. Sabe-se apenas que uma das operações na favela da Maré teve um custo de 300 milhões. Mas e o resultado? O que se conseguiu com essas operações? O governo não presta contas”.
O pacto da mídia com o governo e o festival pirotécnico do exército nas ruas confirma a cultura da violência alastrada no país. Cultura essa marcada por construções simbólicas que visam impor explicações socialmente definitivas para fatos sociais fruto da violência. Conforme enfatiza o Texto Base da CF 2018, a “guerra ao tráfico”, localizada nas periferias das grandes cidades, ainda é guerra aos mais pobres, submetidos à violência de criminosos justamente pela história de omissão do Estado, que não provê para estas imensas periferias a garantia de direitos humanos básicos.
Cientes da urgência em se criar uma agenda de segurança pública para superar a triste realidade da violência estrutural do nosso país, alertamos para alguns elementos presentes no texto base da CF/2018:
– A militarização da política: decisões políticas de cunho militarizado, onde se produziu no Brasil um encarceramento massivo, um genocídio de jovens negros comparado à números de guerra, colocando o país na contramão da superação da violência pela ressocialização das pessoas.
– A omissão do poder público em imensas e populosas regiões do país submete seus moradores à violência cotidiana de grupos armados, ao tráfico de drogas e à desordem social (Texto Base 31).
– A desigualdade econômica resultante de políticas que precarizam o trabalho e reduzem salários, limitam o orçamento de áreas prioritárias para bem estar da população, impõem severas restrições ao atendimento social dos pobres é a grande violência institucional que as elites exercem contra a vida digna para todos e todas, em nosso país. (Texto Base 70).
Cientes de que uma ação para superação da violência passará pela redução das condições de exclusão dos mais pobres e rezando exigimos:
A imediata revogação do decreto de intervenção militar no Rio de Janeiro.
A institucionalização de uma consulta democrática, acompanhada de fóruns e de pesquisadores em conjunto com a população, de modo a construir os rumos de uma sociedade que supere a violência pela cultura democrática da fraternidade.
São Paulo, 20 de fevereiro de 2018
IPDM – Igreja Povo de Deus em Movimento.
Nós Somos a Igreja – São Paulo.
Clasp – Conselho de Leigos da Arquidiocese de São Paulo.
Pastoral Fé e Política da Arquidiocese de São Paulo
Pastoral da Educação do Regional Sul1 da CNBB
Rede de Escolas de Cidadania de São Paulo
Rede Igrejas e Mineração
Centro de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo
Sociedade Santos Mártires
Fórum em defesa da vida Jardim Ângela