Movimento convoca ato para garantir preservação de Quilombo no Bixiga
O coletivo Mobiliza Saracura Vai-Vai lançou manifesto em defesa do Sítio Arqueológico encontrado na construção da Linha 6 – Laranja do metrô, no bairro do Bixiga, na capital paulista, e convocou ato para sábado, 2, com concentração às 10 horas no local da futura estação de metrô. O movimento quer a paralisação imediata da obra, para garantia da preservação do patrimônio encontrado. O documento continua aceitando adesões e já foi assinado por uma centena de entidades do bairro e da cidade, além de coletivos da comunidade científica.
Em 9 de outubro de 1907, uma crônica do jornal Correio Paulistano descrevia assim a região do vale do Rio Saracura, no Bixiga: “É um pedaço da África. As relíquias da pobre raça, impellida (sic) pela civilização cosmopolita que invadiu a cidade depois de 88, foi dar alli naquelas furnas. Uma linha de casebres borda as margens do riacho”.
Passados 115 anos, a escavação para a construção da linha 6-Laranja do metrô encontrou vestígios que comprovam a ocupação da população negra naquele lugar. Os achados motivaram o registro no Iphan de sítio arqueológico classificado como de alta relevância pela equipe técnica. “Trata-se de uma pequena área com vestígios arqueológicos, de transição do século XIX para o XX e primeira metade do XX, localizada às margens do córrego Saracura”, informa o cadastro de abril de 2022 (página 43 do projeto de resgate arqueológico feito pela empresa contratada pelo metrô).
A área em que os vestígios foram encontrados é apontada há décadas por pesquisadores como o Quilombo Saracura, comunidade do século XIX que deu origem ao bairro do Bixiga. Nesta região nasceu, em 1930, o Cordão Vae-Vae, continuidade dessa resistência negra – as referências ao Quilombo são constantes nos sambas da agremiação. Em 2021, a quadra da escola foi deslocada para novo endereço no bairro em virtude das obras do metrô.
Da compreensão do valor desses achados para o direito à memória, à terra e à presença da população negra no bairro e na cidade, o Movimento Estação Saracura Vai-Vai se formou para lutar pela preservação deste sítio, indo aos órgãos responsáveis cobrar a formalização do compromisso.
Composto por moradores, sambistas, pesquisadores, militantes negros, o movimento atua pela paralisação da obra até que seja definido um projeto de preservação; por um projeto de educação patrimonial e um memorial no local; pela mudança do nome da estação do metrô de 14 Bis para Saracura Vai-Vai; e pela permanência da população negra na região, de forma que a chegada do transporte não seja agente de gentrificação. O movimento deseja o metrô no bairro, mas quer que o território seja respeitado.
“Eu nasci, cresci e tive meus três filhos naquele lugar. Onde era a quadra da Vai-Vai tinha uma fonte e, quando menino, tomei muito banho por ali. Na Saracura Pequena, nas margens do rio, as pretas velhas iam lavar roupa”, lembra o jornalista Fernando Penteado, 75 anos, embaixador mestre do samba paulistano e sambista da Velha Guarda do Vai-Vai, membro de uma das famílias mais antigas do bairro e neto de Fredericão, um dos fundadores da agremiação do Bixiga.
“A gente resistiu 50 anos na Rua São Vicente, há tempos queriam nos tirar de lá. Só que com o metrô não teve como brigar”, lamenta ele, que tem participado do movimento confiante de que ainda há tempo de recuperar as memórias negras do bairro: “Temos que continuar resistindo pela nossa ancestralidade e para que reconheçam que ali sempre foi o Quilombo. Quem vai contar nossa história depois que o metrô chegar?”.
A historiadora e doutoranda em arqueologia Marília Calazans integra o movimento e destaca que “o trabalho da arqueologia, apropriado pela comunidade, tem uma potência de transformação social incrível, de mudança radical da maneira com que a gente se relaciona com nosso território e passado, e consequentemente com presente e futuro”.