Mortes provocadas pela polícia cresce 21,7%, sendo negras 66,3% das vítimas
Em um ano, São Paulo passou de 419 mortes provocadas por agentes de segurança, para 510 casos. O aumento de 21,7% demonstrado pela Rede de Observatórios da Segurança no boletim Pele Alvo revela as pessoas negras mortas são quase o dobro das brancas, com 321 e 163 casos, respectivamente, considerando as vítimas com raça e cor informadas, totalizando 66,3% dos óbitos, número desproporcional à população negra do estado, que corresponde a 40,9% dos habitantes.
Na quinta edição do boletim Pele Alvo: mortes que revelam um padrão, lançada na semana passada, os dados obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) junto à Secretaria de Segurança Pública e órgãos correlatos de São Paulo revelam que o estado interrompeu a sequência de quatro anos de queda nos números de mortos pela polícia – reflexo do corte de R$ 98 milhões feito em programas de prevenção e em ações de inteligência, em relação aos gastos de 2022, incluindo a verba destinada ao uso de câmeras corporais por agentes em ação.
“É uma mudança drástica de um governo para o outro. Apesar de registrar alta letalidade, estando sempre entre os quatro estados com a polícia mais violenta, São Paulo vinha de um histórico de redução nos números de mortes, reforçado pelo Programa Olho Vivo, que também beneficiava os próprios agentes de segurança. A atual política de descontinuação não alterou o padrão racial da letalidade provocada por intervenção do Estado”, destaca Francine Ribeiro, pesquisadora do Observatório de São Paulo: “O que vimos em 2023 foram apenas mudanças para uma política mais violenta. Seguimos com uma Polícia Militar que mata e morre em excesso — vale destacar que entre os policiais há mais mortes decorrentes de problemas psicológicos ligados à profissão do que as causadas em confrontos”.
Era jovem mais da metade (52,3%) das pessoas mortas (entre 12 e 29 anos), reforçando que a juventude segue como parte do perfil mais vitimado pela violência de agentes de segurança. A capital concentra o maior número de mortes (34,5% do total), mas as cidades litorâneas também chamam a atenção pelo aumento no número de casos.
Em meados do ano passado, por 40 dias, a Polícia Militar de São Paulo executou no litoral a Operação Escudo, após a morte de um PM da Rota. A ação teve foco em Guarujá, município que não constava entre os cinco com maior número de óbitos em 2022. Nesta edição do boletim, a cidade foi a segunda com maior letalidade provocada pela polícia, com 32 casos, atrás apenas da capital paulista, onde houve 176. Ao final do ano, ainda em dezembro, a polícia desencadeou a Operação Verão, também no litoral, que durou até abril de 2024, somando outras 56 mortes.
Mortes que revelam um padrão
O novo boletim Pele Alvo: Mortes Que Revelam Um Padrão, organizado pela Rede de Observatórios da Segurança, evidencia a letalidade resultante da ação policial. Em 2023, pelo menos sete pessoas negras foram mortas pela polícia a cada dia nos nove estados monitorados – Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo. Ao todo, 4.025 vítimas e, destas, 3.169 tinham registro de sua raça e cor, constatando-se que 2.782 (87,8%) dos mortos eram pessoas negras.
“Assim como aconteceu em 2019, primeiro ano de monitoramento para o boletim Pele Alvo, 2023 se destaca por ser ano de início do mandato de novos governadores estaduais. E é revoltante e angustiante não ter havido mudanças concretas em políticas públicas de segurança, considerando principalmente as desigualdades raciais. O que continuamos a observar são ações bárbaras sob a justificativa de guerra às drogas, com um impacto brutal para a sociedade, principalmente para a população negra, e a persistência de um padrão da letalidade policial”, diz a cientista social Silvia Ramos, coordenadora da Rede de Observatórios da Segurança.
Sobre a Rede de Observatórios da Segurança
A Rede de Observatórios é uma iniciativa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) dedicada a acompanhar políticas públicas de segurança, fenômenos de violência e criminalidade em nove estados. Atuamos na produção cidadã de dados com rigor metodológico em parceria com instituições locais e sociedade civil. O objetivo é monitorar e difundir informações sobre segurança pública, violência e direitos humanos.
Integram a Rede o grupo de pesquisa Ilhargas, do Amazonas; a Iniciativa Negra Por Uma Nova Política de Drogas, da Bahia; o Laboratório de Estudos da Violência (LEV), do Ceará; a Rede de Estudos Periféricos (REP), do Maranhão; o Grupo de Pesquisa Mãe Crioula, do Pará; o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), de Pernambuco; o Núcleo de Pesquisas sobre Crianças, Adolescentes e Jovens (Nupec), do Piauí; e o Núcleo de Estudos da Violência (NEV/USP), de São Paulo.