Exposição questiona a construção visual do Sete de Setembro
Uma história sobre a construção visual do Sete de Setembro no Brasil é o mote da exposição “O Sequestro da Independência”, até o próximo dia 24, na Galeria Arte 132, em Moema, na capital pauista. Com curadoria de Lilia Moritz Schwarcz, Lúcia Klück Stumpf e Carlos Lima Junior, autores do livro “O Sequestro da Independência – Uma história da construção do mito do Sete de Setembro” (Companhia das Letras, 2022), que narra a construção imagética do mito do 7 de setembro. Na mostra, além de obras históricas, o público poderá ter contato com uma vitrine de objetos – incluindo originais e uma única reprodução – pertencentes à D. Pedro e ao legado da República do Brasil.
Propositadamente realizada a partir da reprodução de obras muito conhecidas, e outras nem tanto, a mostra pretende iluminar as narrativas imagéticas em torno de nossa emancipação política em quatro momentos chave: durante o processo de independência, em 1822; por ocasião da comemoração de seu centenário, em 1922; no ano de 1972, quando a ditadura militar celebrou os 150 anos do evento; e neste ano de 2022. A intenção é demonstrar como se formam diferentes memórias visuais, e como cada contexto político “sequestra” significados para que se adequem ao momento e inflamem a imaginação. Para isso, servem também os objetos históricos, tais quais um relicário em ouro e esmalte com a mecha de cabelos de d. Pedro I; uma moeda de 20 cruzeiros (do Sesquicentenário da Independência do Brasil; em ilustração: d. Pedro I com Médici, 1972); uma tabaqueira em ouro e outros tantos expostos em uma vitrine, com o propósito de ilustrar a narrativa visual que coordenou o período da Independência no imaginário brasileiro.
“Muitas nações se imaginam a partir de uma pintura, a qual, por sua vez, foi imaginada em diálogo com outras telas, muitas vezes estrangeiras. Aqui não foi diferente.”, explica o trio de curadores. Mas, para eles, a tela do artista Pedro Américo, “Independência ou morte”, de 1888, tem um sentido especial para a construção da nacionalidade do povo brasileiro. “De pintura encomendada pela Comissão construtora do Edifício-Monumento (futuro Museu do Ipiranga) em 1886, e apoiada por d. Pedro II – numa forma de homenagem de filho para pai – foi virando apenas uma ilustração; um retrato fiel do 7 de setembro às margens do Ipiranga, progressivamente despida de seu significado original, autoria e contexto.”, ressalta o núcleo curatorial.
Os capítulos abordados no livro giram em torno de seis constatações, estas também transportadas para a exposição. São elas:
1. Os detalhes de uma tela – vale a pena “ler” uma pintura a partir do todo, mas também por meio de seus detalhes – todos igualmente significativos;
2. 1822: o fato da proclamação da independência ter acontecido primeiro no Rio de Janeiro, não em São Paulo, às margens do Ipiranga;
3. O artista Pedro Américo é europeu e nada conhecia das terras brasileiras, portanto, retratou, em seu quadro, uma “independência europeia”, sendo o protagonista d. Pedro e não os populares (localizados no canto esquerdo da tela), uma pintura em tudo desajustada;
4. 1922: a disputa do protagonismo entre o Museu Paulista (Museu do Ipiranga, SP) e o Museu Histórico Nacional (RJ) para retratar o período da independência, encomendando quadros que ilustrassem momentos e figuras históricas;
5. 1972: a comemoração ativa dos 150 anos de emancipação política por parte do governo ditatorial militar, que usou isso como estratégia para desviar as atenções da violência que ocorria nas ruas do país;
6. Outras independências pelo Brasil: estados do Norte e Nordeste brasileiro travaram inúmeros conflitos armados durante esse período. Por isso, passaram a encomendar pinturas que destacavam a atuação de seus líderes locais nas lutas durante as guerras de Independência, rompendo com essa visão sudestina, palaciana, europeia e masculina do processo de independência;
7. E, por fim, outros ecos do Grito de Independência: a força e popularidade da tela de Pedro Américo no século XX e XXI foram tamanhas que ela virou uma espécie de imaginação nacional. Por isso, foi relida inúmeras vezes por propagandas, sátiras políticas e por artistas contemporâneos que igualmente trataram de “sequestrar significados”.
Por ter caráter educativo e revisionário da história do país, a intenção principal dos curadores e da galeria, ao idealizarem a exposição, é que ela percorra diferentes escolas pelos estados do Brasil, levando à educação primária e secundária uma visão plural e mais verossímil sobre a Independência da República, datada de 7 de setembro de 1822. Muito diferente do que foi retratado no quadro de Pedro Américo e em outras obras que D. Pedro encomendou para ilustrar este período, integraram os batalhões durante os conflitos armados mulheres, crianças, indígenas e negros escravizados, os verdadeiros “heróis da independência”.