A Carta resiste
Luiz Carlos Ferraz
Durante dois dias – o primeiro dos quais, no último 25 de março, data de sua primeira versão, há 200 anos – a Constituição Federal do Brasil em vigor, de 1988, demonstrou que resiste. Este vigor pode ser comemorado pelo cidadão durante a transmissão ao vivo das sessões da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que analisaram e aprovaram por unanimidade a denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra uma organização criminosa que ousou usurpá-la, mediante um golpe de Estado contra o governo do presidente recém-eleito Luiz Inácio Lula da Silva. As sessões selaram o início do julgamento de oito pessoas do chamado “núcleo crucial” de tal organização, entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro e seu candidato a vice no pleito de 2022, ex-ministros de seu governo e militares de alta patente. Analisada no âmbito da Petição 12.100, relatada pelo ministro Alexandre de Moraes, a PGR apurou que a organização criminosa seguiu todos os passos para depor o governo legitimamente eleito, objetivo que somente não se concretizou por circunstância alheia à vontade dos denunciados, qual seja, a resistência às medidas de exceção pelos comandantes do Exército e da Aeronáutica. Na tresloucada aventura, os denunciados encadearam ações para abolir o Estado Democrático de Direito, por meio de pronunciamentos públicos e ataques virtuais, contando para isso com o uso da estrutura de inteligência do Estado. Enfatizou a PGR que a violência contra o Poder Judiciário foi exacerbada pela manipulação de notícias eleitorais baseadas em dados falsos, com ações de monitoramento contra autoridades públicas, que colocaram em risco o pleno exercício dos poderes constitucionais, ameaçando rasgar efetivamente a Carta Cidadã de 1988. As ações, que foram progressivas e coordenadas, culminaram com o 8 de janeiro de 2023, quando os golpistas se armaram para depredar a sede dos Três Poderes, em Brasília, manchando a história recente da República.