Edição 350Março 2024
Sábado, 20 De Abril De 2024
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Publicado em 25/06/2022 - 7:59 am em | 0 comentários

IMS/Divulgação

Movimento convoca ato para garantir preservação de Quilombo no Bixiga

Vale do Saracura, atual Praça 14 Bis, início do século XX

Movimento convoca ato para garantir preservação de Quilombo no Bixiga

O coletivo Mobiliza Saracura Vai-Vai lançou manifesto em defesa do Sítio Arqueológico encontrado na construção da Linha 6 – Laranja do metrô, no bairro do Bixiga, na capital paulista, e convocou ato para sábado, 2, com concentração às 10 horas no local da futura estação de metrô. O movimento quer a paralisação imediata da obra, para garantia da preservação do patrimônio encontrado. O documento continua aceitando adesões e já foi assinado por uma centena de entidades do bairro e da cidade, além de coletivos da comunidade científica.

Em 9 de outubro de 1907, uma crônica do jornal Correio Paulistano descrevia assim a região do vale do Rio Saracura, no Bixiga: “É um pedaço da África. As relíquias da pobre raça, impellida (sic) pela civilização cosmopolita que invadiu a cidade depois de 88, foi dar alli naquelas furnas. Uma linha de casebres borda as margens do riacho”.

Passados 115 anos, a escavação para a construção da linha 6-Laranja do metrô encontrou vestígios que comprovam a ocupação da população negra naquele lugar. Os achados motivaram o registro no Iphan de sítio arqueológico classificado como de alta relevância pela equipe técnica. “Trata-se de uma pequena área com vestígios arqueológicos, de transição do século XIX para o XX e primeira metade do XX, localizada às margens do córrego Saracura”, informa o cadastro de abril de 2022 (página 43 do projeto de resgate arqueológico feito pela empresa contratada pelo metrô).

A área em que os vestígios foram encontrados é apontada há décadas por pesquisadores como o Quilombo Saracura, comunidade do século XIX que deu origem ao bairro do Bixiga. Nesta região nasceu, em 1930, o Cordão Vae-Vae, continuidade dessa resistência negra – as referências ao Quilombo são constantes nos sambas da agremiação. Em 2021, a quadra da escola foi deslocada para novo endereço no bairro em virtude das obras do metrô.

Da compreensão do valor desses achados para o direito à memória, à terra e à presença da população negra no bairro e na cidade, o Movimento Estação Saracura Vai-Vai se formou para lutar pela preservação deste sítio, indo aos órgãos responsáveis cobrar a formalização do compromisso.

Composto por moradores, sambistas, pesquisadores, militantes negros, o movimento atua pela paralisação da obra até que seja definido um projeto de preservação; por um projeto de educação patrimonial e um memorial no local; pela mudança do nome da estação do metrô de 14 Bis para Saracura Vai-Vai; e pela permanência da população negra na região, de forma que a chegada do transporte não seja agente de gentrificação. O movimento deseja o metrô no bairro, mas quer que o território seja respeitado.

“Eu nasci, cresci e tive meus três filhos naquele lugar. Onde era a quadra da Vai-Vai tinha uma fonte e, quando menino, tomei muito banho por ali. Na Saracura Pequena, nas margens do rio, as pretas velhas iam lavar roupa”, lembra o jornalista Fernando Penteado, 75 anos, embaixador mestre do samba paulistano e sambista da Velha Guarda do Vai-Vai, membro de uma das famílias mais antigas do bairro e neto de Fredericão, um dos fundadores da agremiação do Bixiga.

“A gente resistiu 50 anos na Rua São Vicente, há tempos queriam nos tirar de lá. Só que com o metrô não teve como brigar”, lamenta ele, que tem participado do movimento confiante de que ainda há tempo de recuperar as memórias negras do bairro: “Temos que continuar resistindo pela nossa ancestralidade e para que reconheçam que ali sempre foi o Quilombo. Quem vai contar nossa história depois que o metrô chegar?”.

A historiadora e doutoranda em arqueologia Marília Calazans integra o movimento e destaca que “o trabalho da arqueologia, apropriado pela comunidade, tem uma potência de transformação social incrível, de mudança radical da maneira com que a gente se relaciona com nosso território e passado, e consequentemente com presente e futuro”.

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