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Sexta, 19 De Abril De 2024
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Publicado na Edição 298 Novembro 2019

Cláusula pétrea

Luiz Carlos Ferraz

Não é preciso ser especialista nas ciências jurídicas para entender a lógica da cláusula pétrea, contemplada na Constituição brasileira de 1988, a famosa “Constituição Cidadã”. Assim, não sendo exigível (por ora) esta especialíssima condição, ao combinar-se a lógica com outro famigerado dispositivo, no caso infraconstitucional, a lei de introdução ao Código Civil – de que “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece” –, deduz-se que quem assim age só pode ser por teimosia ou má-fé. Em qualquer das hipóteses, é repugnante a postura de parcela do Congresso Nacional, assim como de minoria de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que tentaram subverter a Carta Magna e relativizar o princípio da presunção de inocência. Não deu certo… Como também naufragou a iniciativa do ministro Sérgio Moro, que ousou incluir sorrateiramente no seu projeto anticrime a prisão após condenação em segunda instância. Honestamente, esta pretensão não é possível, pois o § 4º do artigo 60 da Constituição estabelece que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda (muito menos por intermédio de projeto de lei!) tendente a abolir: IV – os direitos e garantias individuais”. E tais direitos e garantias individuais dos brasileiros estão tratados nos 78 incisos do artigo 5º da Carta, sendo que o de número 57 assegura que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Sendo, pois, considerados cláusula pétrea, qualquer um desses dispositivos só poderá ser modificado por meio de uma nova Constituição – tarefa estranha a este Congresso, eis que só possível por uma Assembleia Nacional Constituinte eleita com esta finalidade, como se fez em 1988. A classe política, contudo, demonstra aparente insatisfação e prossegue as articulações visando introduzir no ordenamento jurídico a prisão após condenação em segunda instância – um tiro no pé, convenhamos.

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