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Quarta, 24 De Abril De 2024
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Publicado na Edição 262 Novembro 2016

Divulgação/Agência Brasil

Cais do Valongo, candidato a Patrimônio Mundial

Cais do Valongo, na regioão central da cidade (tomaz Silva/Agência Brasil)

Cais do Valongo, candidato a Patrimônio Mundial

Principal porto de entrada de africanos escravizados no Brasil e nas Américas, o Cais do Valongo, na região portuária do Rio de Janeiro, foi visitado por representante do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos) – órgão consultivo da Unesco –, para vistoria e avaliação técnica do local, candidato a Patrimônio Mundial. Além da visita, foram realizadas reuniões com a participação do Comitê Consultivo da Candidatura, composto por várias instituições governamentais, dos três níveis de governo, e não-governamentais relacionadas com questões associadas ao bem.

O Sítio Arqueológico do Cais do Valongo não só representa o principal cais de desembarque de africanos escravizados em todas as Américas como é o único que se preservou materialmente. Pela magnitude do que representa, coloca-se como o mais destacado vestígio do tráfico negreiro no continente americano.

Apresentada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e pela Prefeitura do Rio de Janeiro, a candidatura do Cais do Valongo foi aceita no fim de 2015 pelo Centro do Patrimônio Mundial e aguarda agora a avaliação final do Comitê do Patrimônio Mundial, que acontecerá em junho de 2017 em Cracóvia, na Polônia.

O título de Patrimônio Cultural da Humanidade representará o reconhecimento de um processo único da história da humanidade, que apesar do processo escravagista produzido propiciou uma inestimável contribuição dos africanos e seus descendentes à formação e desenvolvimento cultural, econômico e social do Brasil, de modo direto, e da região, de modo indireto, além do valor universal excepcional do local, como memória da violência contra a humanidade representada pela escravidão, e de resistência, liberdade e afirmação, fortalecendo as responsabilidades históricas, não só do Estado brasileiro, como de todos os países membros da Unesco.

A candidatura tem como base um dossiê que resgata a história do tráfico de escravos na cidade em suas várias fases e analisa a importância histórica e social desse processo, além do significado do sítio arqueológico para os afrodescendentes e todos os brasileiros. Coordenado pelo antropólogo Milton Guran e elaborado pelo Iphan, em parceria com a Prefeitura do Rio, o documento foi finalizado após um ano de trabalho, onde são apresentados para avaliação o valor universal excepcional do bem, além dos parâmetros relacionados à sua proteção, conservação e gestão, conforme estabelecem as diretrizes operacionais da Convenção do Patrimônio Mundial, Natural e Cultural, de 1972.

Após a inserção na Lista Indicativa do Patrimônio Mundial e elaboração e entrega do dossiê de candidatura pelo país proponente, acontece a missão de avaliação técnica por parte do órgão consultivo, estágio atual do processo de candidatura do Sítio Arqueológico do Cais do Valongo. Nesta etapa são realizadas avaliações de campo com visita ao local, entrevistas com os gestores e outros atores relevantes, debates com os formuladores da candidatura e contatos com as autoridades governamentais envolvidas. Associada a essa missão, ocorrem as análises de gabinete, pautadas pela documentação entregue.

Com os pareceres elaborados, é realizada uma reunião técnica do Icomos, em Paris, na França, chamada de “Painel”. Lá são debatidos os pareceres apresentados, esclarecidas eventuais questões e avaliados os posicionamentos dos especialistas gerando recomendações ou exigências, conforme o caso, para serem ainda dirimidas pelo país proponente. Caso se faça necessário, as informações são avaliadas em um novo “Painel”, quando é preparado o “Draft Decision”, ou seja, o Projeto de Decisão. O Brasil deve ter acesso ao relatório do Icomos, contendo seu posicionamento, em maio de 2017, um mês antes da reunião do Comitê do Patrimônio Mundial, quando será feita a avaliação final da candidatura e anunciado seu reconhecimento ou não como Patrimônio Mundial.

 

Porta de entrada de escravizados

 

O Brasil recebeu cerca de quatro milhões de escravos nos mais de três séculos de duração do regime escravagista, 40% de todos os africanos que chegaram vivos nas Américas, entre os séculos XVI e XIX. Destes, aproximadamente 60% entraram pelo Rio de Janeiro, sendo que aproximadamente um milhão pelo Cais do Valongo. A partir de 1774, por determinação do Marquês do Lavradio, Vice-Rei do Brasil, o desembarque de escravos no Rio foi integralmente concentrado na região da Praia do Valongo, onde se instalou o mercado de escravos que, além das casas de comércio, incluía um cemitério e um lazareto.

O objetivo era retirar da Rua Direita, atual Primeiro de Março, o desembarque e comércio de africanos escravizados. Após a chegada, eles eram destinados às plantações de café, fumo e açúcar do interior e de outras regiões do Brasil. Os que ficavam no Rio de Janeiro geralmente eram utilizados em trabalhos domésticos ou nas obras públicas. A vinda da família real portuguesa para o Brasil e a intensificação da cafeicultura ampliaram consideravelmente o tráfico escravagista.

Em 1811, com o incremento do tráfico e o fluxo de outras mercadorias, foram feitas obras de infraestrutura, incluindo o calçamento de pedra de um trecho da Praia do Valongo, que constitui o atual Sítio Arqueológico do Cais do Valongo.

O local foi desativado como porto de desembarque de escravos em 1831, quando o tráfico transatlântico foi proibido por pressão da Inglaterra – norma solenemente ignorada, que recebeu a denominação irônica de “lei para inglês ver”. Doze anos depois, em 1843, o Cais do Valongo foi aterrado para receber a Princesa das Duas Sicílias e Princesa de Bourbon-Anjou, Teresa Cristina, esposa do Imperador Dom Pedro II, recebendo o nome de Cais da Imperatriz.

Com a assinatura da Lei Eusébio de Queirós, em 1850, pôs-se fim verdadeiramente ao tráfico para o Brasil, embora a última remessa conhecida date de 1872 e a escravidão tenha persistido até a Abolição, em 1888.

Em 1911, com as reformas urbanísticas da cidade, o Cais da Imperatriz foi aterrado. No entanto, durante as obras do Porto Maravilha, com as escavações realizadas no local em 2011, foram encontrados milhares de objetos como parte de calçados, botões feitos com ossos, entre outras peças usadas em rituais religiosos.

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